FALVES SILVA




FALVES SILVA    
O OLHAR TRANSGRESSOR
                         
Jota Medeiros*

A
exposição Antologia Poética Visual (1966/2004) de Falves Silva, mostrada através do Núcleo de Arte e Cultura-NAC, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, apresenta obras do acervo do artista e de minha coleção particular; obras que em sua maioria foram produzidas como matriz, visando a sua reprodutibilidade, o múltiplo gráfico, dentro da proposição conceitual do Poema/Processo, movimento de poesia visual e factual, como afirma Melo e Castro, que marcou o final dos anos sessenta e início dos setenta, do qual Falves foi um dos fundadores.

No início dos anos sessenta produz o desenho e a pintura surrealista, cubo-futurista, tendo esta última vertente se desdobrado em sua consequente obra poética visual, geométrica, abstrata, neo/concreta, pop/erótica. Em 1968, expôs Sexus no bordel Francesinha Clube, do bairro da Ribeira, em Natal.

Ponto, poema/processo do mesmo ano, marca de uma identidade histórica, foi a revista/caixa de divulgação internacional do movimento, ponto de partida. Ponto, minimalismo que nos remete ao Oriente no Ocidente, é o tao, princípio circular, ponto ideográfico/ideo-gramático, o ponto vermelho solar da bandeira do Japão, a nação oriental mais ocidental do mundo. Outro de seus poemas/processos, Amo (1968) nos remete diretamente a “Liubliú”, do poeta russo Maiakovski, na tradução gráfica de Lissitzki in “DliaGólossa”, (1923).

O conjunto da obra de Falves aborda três vertentes conceituais, a geometria, o cinema e os quadrinhos. Estes são histórias em quadrinhos semióticos, configurados dentro de uma leitura cinética, com base na montagem cinematográfica, certamente por influencia do Falvescine-clubista do Cine Clube Tirol que o fez produzir o curta-metragem “O Jovem Audaz no Trapézio Volante”, baseado em um conto de William Saroyan.

Nascido em pleno conflito da 2º Guerra Mundial, esse artista é o produto pós-contemporaneo da poeira atômica dos anos pós-guerra. Operário, tipógrafo, gráfico, produziu livros/poemas artesanalmente, manipulando carimbos, tipos móveis, colagens xerográficas, enfim, livros-de-artista, alguns destinados à interferência além-mar via correio, dentro do espírito antropophágico de “O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo”, título de um dos livros de Oswald de Andrade, o primeiro livro-de-artista brasileiro.

Nos anos setenta, Falves integrou o movimento internacional de arte/correio, arte/postal (mail-art), o que lhe proporcionou um intercambio processual com artistas de diversas tendências estéticas da contemporaneidade e a sua participação em eventos, publicações e acervos nacionais e internacionais de poesia de vanguarda.
Da versão à intervenção e/ou interversão, neste percurso processual/conceitual, Falves trabalha a versão do poema operando releituras de textos visuais como Cara Versus Coroa (2000), de Dailor Varela, e Poemics (2003), de Álvaro de Sá. Além de poemas visuais, ele ainda produz desenhos em nanquim e/ou esferográfica associados a várias técnicas como a colagem, o carimbo, a impressão tipográfica e o offset.

A arte como ofício, o lixo/luxo gráfico – manipulando letras recortadas de revistas e/ou jornais, criando um meta-código alfabético – um verdadeiro sacerdócio, devir, fora da especulação do mercado, o monge Zen Ocidental, são expressões que podemos relacionar a Falves e à sua obra. Em suas Iconografias de Mitos, ele conclui que a história não tem princípio meio ou fim, um mosaico de imagens sem enredo cronológico, um ‘readymade’ que remete a Marcel Duchamp, um pastiche do que já foi dito e feito, onde, afinal, tudo está em tudo, como diria Anaxágoras.

Processo de delimitações de territórios diferentes, Falves expõe vertentes que sobrevivem demarcando regiões, pólos de equidistância. Sobre estes territórios/linguagens ele actua numa circulinearidade transeunte, olhar transgressor/manipulador de seus efeitos. É possível, porém, concluir que, diante da precariedade ambiental, econômica, uma absurda magia se processe numa vontade de afirmação, num lance de dados mallarmeano do qual jamais será abolido o acaso. A propósito do acaso na arte, cito Ronaldo Brito, para quem de algum modo,a arte, a história da arte, tem sido uma espécie de construção do acaso e não a idealização do tempo.

*Artista Multimídia/Curador de Arte Contemporânea


Fonte: encarte FALVESSILVAantologiapoética 1966 – 2004
 
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